O telemarketing, a promoção de vendas e serviços por telefone, é muitas vezes utilizado de forma abusiva

Mas quando os telefonemas insistem em não parar, será que há alguma forma de os proibir?

O telemarketing, a promoção de vendas e serviços por telefone, é muitas vezes utilizado de forma abusiva

O telefone toca. Não conhece o número, então decide não atender. Mas o telefone volta a tocar. Uma e outra vez. Irritado, decide atender. “Está?”. Do outro lado, um rapaz ou uma rapariga simpática tenta vender-lhe um novo serviço, um tarifário mais vantajoso. Diz que não está interessado, mas o rapaz insiste. Volta a dizer que não está interessado, trocam-se agradecimentos e a chamada termina. No dia seguinte, a situação repete-se.

Com Teresa (nome fictício) aconteceu exatamente o mesmo.

O primeiro telefonema aconteceu no início do mês de março. Do outro lado, disseram-lhe que era da Endesa Portugal, e perguntaram-lhe se estaria interessada em fazer um contrato com eles. “Disse-lhes que nem sequer tinha o contrato da luz em meu nome e que não estava interessada”, contou ao Observador. “Não insistiram”. Dois dias depois, voltaram a ligar. Do mesmo número fixo, foram feitas duas chamadas. Teresa não atendeu.

Na semana seguinte, o telefone voltou a tocar. Teresa reconheceu o número e decidiu não atender. “Começaram a ligar às 9h35. A última chamada foi às 21h45”. Durante 12 horas o telefone não parou de tocar. No total, foram 12 chamadas, uma por cada hora. “Não atendi nenhuma”.

No dia seguinte, voltou a acontecer o mesmo. Com uma pontualidade quase britânica, às 9h30 o telefone de Teresa voltou a tocar. “Desde as 9h30 até às 11h48, foram feitas oito chamadas”, disse ao Observador, “até que atendi”. “Disse-lhes que era inadmissível ligarem desta forma às pessoas, que era telemarketing abusivo. E pedi — por favor — para tirarem o meu número da base de dados, o número que nunca forneci”.

E foi assim que, ao fim de quase uma semana, os telefonemas da Endesa Portugal finalmente pararam. Mas, ainda no mesmo dia, Teresa voltaria a ser alvo de uma outra perseguição telefónica. “No mesmo dia, a Vodafone começou a ligar-me às 18h30 até às 19h50, altura em que atendi”. Sendo cliente da Vodafone, Teresa não estranhou muito. O que estranhou foi o facto de, no espaço de pouco mais de uma hora, ter recebido oito chamadas.

“Se me tocarem 15 vezes à campainha posso chamar a polícia. Mas, neste caso, ligo a quem?”. As opções não são muitas.
“Não há nada que as impeça”

Pedro Lourenço, administrador do Portal da Queixa, acredita que nem sempre é fácil impedir as empresas de continuarem a ligar. “Em termos legais, não há nada que as impeça. A única forma de o fazer é através da queixa”.

Muitas dessas queixas são feitas através do próprio Portal, uma plataforma online que reúne informações sobre consumo. Estas, depois de submetidas, são reencaminhadas para as empresas e, em cerca de 90% dos casos, são resolvidas.

Ao Observador, o administrador explicou que as reclamações mais frequentes são as relacionadas com telemarketing. “É muito frequente, não só em relação à área da comunicação”, o setor que mais queixas origina, mas também em relação “a outras áreas, como os seguros de saúde ou as viagens”, referiu.

Só em fevereiro, o Portal da Queixa recebeu, pelo menos, uma reclamação diária relacionada com este tipo de publicidade. As queixas dos consumidores são sempre as mesmas — a forma persistente com que os telefonemas são feitos e o facto de, muitas das vezes, não terem facultado o contacto. “Os contactos são facultados por outras empresas, que não são as que contactam”, explicou Pedro Lourenço. “Estas vendem a informação a outras entidades, por vezes a mais do que uma”.

Mas, na maioria dos casos, são os próprios consumidores a fornecer e a autorizar a utilização dos dados, mas sem se aperceberem disso. “No momento do contrato de serviço, o consumidor não se apercebe de que está a fornecer os dados, que depois são utilizados por outras entidades. Isto faz com que o consumidor acabe, de alguma forma, por legitimar a utilização do seu contacto, mas sem ter noção disso”.

Pedro Lourenço acredita que as entidades reguladoras deviam estar mais atentas. “Os utilizadores estão desprotegidos porque não têm capacidade de agir de forma legal”, admitiu. “Não é fácil. A Comissão Nacional de Proteção de Dados devia ser mais ativa”.

É por não ser “fácil” que muitas pessoas acabam por recorrer ao Portal da Queixa. Pedro Lourenço garante que 80% das queixas relacionadas com telemarketing ficam resolvidas. “Existe sempre a hipótese de recorrer ao tribunal mas, dado o problema, ninguém acaba por ir por essa via”.


E na manhã seguinte, voltaram a ligar

Mas até mesmo a DECO parece cair na tentação do telemarketing.

A história de David Matos é igual à de muitos outros. Durante duas semanas, o estudante de Leiria foi perseguido pela linha de telemarketing da DECO. Até hoje, continua sem perceber porquê.

David estava de saída para a faculdade quando o telefone tocou pela primeira vez. À mulher que estava do outro lado do telefone, explicou que estava com pressa. “Pedi para me ligarem mais tarde nesse dia, mas não ligaram”, contou ao Observador. No dia seguinte, o telefone voltou a tocar. “Presumo que me tenham ligado. Era um número privado, e quase nunca recebo chamadas em privado”.

Um dia depois, voltaram a ligar. “Ligaram-me outra vez, mas estava a conduzir. Um colega meu atendeu e disse para ligarem no dia seguinte”. E foi no dia seguinte que David finalmente falou com a DECO.

Do outro lado, já não estava a mesma mulher. “Era um rapaz. Explicou-me algumas condições e vantagens. Disse-lhe que não estava interessado porque não ia beneficiar de grande parte das vantagens, não me ia compensar”. Compreensivo, o rapaz desligou.

Mas, na semana seguinte, a DECO voltou a ligar. “Ligaram outra vez de manhã. Era um rapaz diferente”, contou David. “Disse logo que já tinha falado com alguém da DECO, que já tinha sido esclarecido e que não estava interessado”. Mas, desta vez, o “não estou interessado” não teve o mesmo efeito. “O rapaz insistiu. Falava por cima de mim a nomear algumas vantagens da DECO”. Irritado, David desligou-lhe o telefone na cara. No mesmo dia à noite, a cena repetiu-se.

Depois da última chamada, David não voltou a ser incomodado. Indignado, garante que “foi o cúmulo do marketing agressivo”. “Foi uma semana disto. Na semana passada devia, pelo menos, ter ficado claro que não estava interessado”. Mas não ficou.

Contactado pelo Observador, Pedro Moreira, diretor da DECO Proteste, considerou casos como o de David “pontuais”. “Esta não é a prática”, disse. “Não tem nada a ver com a nossa postura“.

Quando estes casos “pontuais” são registados, o diretor garante que a DECO entra logo em contacto com a empresa que fornece o serviço de telemarketing. “As regras devem ser seguidas. Se o consumidor disser que não está interessado, então não deve ser incomodado”, referiu.

Porém, Pedro Moreira admitiu que o contacto persistente pode acontecer caso o consumidor não tenha disponibilidade para falar. “Quando não se consegue falar, tenta-se mais tarde. Que é o que pode acontecer”. Caso contrário, o diretor não considera que isso seja “um processo de passar informação”. “O consumidor é soberano”, frisou.


 

Fonte: http://observador.pt/especiais/telemarketing/


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