Pais criam movimento contra falsas moradas dos encarregados de educação

"Chega de Moradas Falsas" é um movimento informal que está a chamar a atenção para o problema de falta de vagas nas escolas, por alguns encarregados recorrerem a moradas de casas onde não vivem efetivamente.

Pais criam movimento contra falsas moradas dos encarregados de educação

Texto de Catarina Guerreiro | Fotografias de Gustavo Bom/Global Imagens

Tudo começou com um encontro de vizinhos na rua. Ana Sardoeira, moradora no bairro do Arco do Cego, em Lisboa, matriculou o filho Jaime no primeiro ano no agrupamento da zona, D. Filipa de Lencastre, junto ao Areeiro. Mas ficou preocupada quando percebeu que havia uma corrida bem concorrida às vagas do estabelecimento e que muitas crianças que vivem ali perto ficam pelo caminho, ao passo que outras, residentes fora daquela área de influência, conseguem entrar recorrendo a moradas de casas onde não vivem efetivamente.

Quando se cruzou com Hélder Mestre, vizinho e marido de uma amiga, pais da pequena Sofia – que receavam que não teria vaga no jardim de infância – fez-lhe um desafio. «Estava muito preocupada e revoltada e achava que nos devíamos juntar para sermos mais fortes», diz Ana. O vizinho levou o recado à mulher, Marta Valente, que não perdeu tempo. «Nesse dia à noite liguei à Ana e fiz um texto para divulgarmos», lembra Marta.

Assim começou o movimento «Chega de Moradas Falsas». Um movimento informal mas que está a chamar a atenção para o problema que existe no Agrupamento D. Filipa de Lencastre, que tem aquela que é considerada a melhor escola pública do país [ver texto no final], e em outros estabelecimentos de ensino portugueses: muitas famílias pedem a pessoas residentes na área onde querem matricular os filhos que se tornem encarregados de educação destes, para que possam frequentar as escolas.

Segundo a lei, as vagas são prioritariamente preenchidas pelos candidatos cujos encarregados de educação residam na área de influência do agrupamento, aplicando-se depois a ordem da data de nascimento, começando em janeiro de cada ano. «Como o meu filho é de julho e a filha da Marta de agosto, um e outro arriscam a não entrar pois no ano passado, no primeiro ano, por exemplo, só entraram as crianças que faziam anos até maio», explica Ana. «E isso não faz sentido pois, segundo o Censos de 2011, aqui na zona há 939 crianças que hoje têm entre 6 e 17 anos e o agrupamento tem 1844 vagas para essas idades.»

Ou seja, para as duas criadoras do movimento, esta é «mais uma prova» de que muitos lugares estão a ser ocupados por alunos que não moram ali, deixando os que residem sem vaga. «Verificámos isso no dia em que cada uma de nós foi inscrever os nossos filhos à escola. À nossa frente estavam pessoas que iam matricular alunos recorrendo a esse esquema de encarregados de educação falsos», diz Ana, que desde o início contou também com a ajuda do marido Luís Silva, para pôr o movimento em curso. Este ano há cinquenta vagas para o jardim de infância e 108 para o primeiro ano. Já para o quinto ano haverá seis turmas, de cerca de 25 alunos.

Como a legislação exige a morada do encarregado de educação e não a da criança, muitos alunos conseguem entrar dando o nome de tios, primos, amigos e de outras pessoas que ali vivem. Quando Marta foi à escola, as funcionárias da própria secretaria chegaram a contar-lhe duas histórias caricatas: a de um homem que queria dar um hotel como morada e outra de um pai que tinha colocado em seu nome na EPAL uma torneira no jardim de uma idosa que mora na zona, para poder ter um documento da empresa da água – que serve como comprovativo de morada – e assim fazer a inscrição do filho no agrupamento D. Filipa de Lencastre.

Não são as moradas que são falsas

Apesar de, na realidade, não estarem em causa moradas falsas, mas sim o facto de muitos se assumirem como encarregados de educação não tendo qualquer responsabilidade com a criança a não ser o endereço que disponibilizam, Ana explica por que escolheram este nome para o movimento: «Quando se fala desta situação, toda a gente se refere a “morada falsa”. Por isso, usámos esse termo.» Na realidade, diz, estamos perante «falsos encarregados de educação, pois a lei (artigo 43 da lei 51/2012) define as responsabilidades que eles têm de ter, como acompanhar a vida escolar do educando, e isso não acontece».

Para perceber a dimensão do problema, Ana e Marta tentaram obter informações sobre as 374 crianças que se candidataram ao jardim infância e primeiro ano do agrupamento. «Estamos a fazer um levantamento para tentar perceber se são da zona ou não», diz Marta. Com a ajuda de várias vizinhas já conseguiram identificar 61 candidatos. E 16 são de fora do bairro.

Desde que o movimento começou, não param de receber relatos de moradores sobre o assunto. E alguns casos mostram que a situação já se tornou um negócio. «Há pessoas que farão até negócio com isto, pois terão em seu nome associado a cinco crianças ou mais», diz Ana. No bairro sucedem-se histórias. Maria vive numa rua que não lhe dá acesso ao D. Filipa de Lencastre, mas como a filha ainda é bebe não está, para já, muito preocupada. No entanto, recentemente ficou perplexa quando a sogra, que vive na Avenida de Roma perto, lhe contou o que se tinha passado a propósito das vagas naquela escola. Um amigo tinha-lhe perguntado se estaria interessada em receber cinquenta euros por mês de umas pessoas que precisam de um encarregado de educação que morasse ali.

 

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