A 14 de Março de 2022 recebi uma família de refugiadas Ucranianas numa casa que queria pôr no mercado de arrendamento mas que, de momento, estava inabitada. Concordámos que poderiam usar a casa por 3 meses apenas pagando os consumos de água e luz.
Entretanto descobrimos o programa Porta de Entrada, que ajudaria a família a pagar a renda até estar totalmente integrada no país. Submetemos toda a documentação pedida, que não foi pouca. O processo foi extremamente moroso e desde logo nos apercebemos que:
1. os serviços não têm proficiência mínima para atender em inglês
2. o IHRU é totalmente inacessível, os contactos ficam escondidos atrás do atendimento que é sempre feito pela LX. Ucrania.
Em Agosto de 2022 foi-nos dito que era preciso um contrato de arrendamento válido e activo para finalizar a submissão. Logo aqui achei muito estranho o processo, visto que a familia não conseguia pagar a renda e estaria logo numa situação arriscada de que se lhes negasse o apoio. Não obstante, celebrámos um contrato de arrendamento pelo valor de €900/mês, para a casa que é uma vivenda do Bairro do Arco de Cego com 2 quartos, casa de banho, lavandaria, cozinha e outros espaços comuns. Está bom de ver que é um valor muitíssimo abaixo dos valores praticados no mercado.
Uma vez feita a submissão, o IHRU não diz mais nada. Passam-se meses sem respostas. Fizemos todas as tentativas de contacto. Desistimos de deixar notas porque nunca retornam a chamada. É exasperante a forma como esta instituição não tem o brio de fazer o esforço por um mínimo de comunicação com os seus utentes.
Enquanto senhorio estava nesta situação difícil de ter uma família sem posses para pagar a renda e sem saber se alguma vez viria a ser recompensado. Ainda assim, queria ajudar estas pessoas e aguentei.
A 29 de Dezembro de 2022 finalmente vem a resposta. Foi aprovada a concessão de financiamento não reembolsável, mas em vez de na totalidade da renda, que era a nossa expectativa, apenas em parte: dos €900 o IHRU contribuia com €503,24, ficando os restantes €396.76 a cargo da família.
Da forma como o IHRU tem lidado (ou não tem) connosco, percebo perfeitamente que nem sequer se apercebem da situação perversa que criaram para os seus utentes. Não só esta família não tem como pagar uma renda de €400 como, com os 6 meses (!) que levaram a dar-nos a resposta colocam imediatamente a família na situação de já estar em dívida para com o senhorio no valor de €2.380,56 (6 rendas x €396,76).
Neste momento a escolha que tenho enquanto senhorio é aceitar a perda ou despejar esta família que deveríamos estar a ajudar e acolher com carinho, pelo que passaram e pela falta que fazem ao nosso país.
Decidi perdoar esta dívida à família e assumir a sua parte da renda, os €396,76 do meu bolso. Se o meu Estado e os seus colaboradores não estão à altura da situação, então tento eu compensar, que felizmente tenho algumas possibilidades.
Entre este desconto de €376,76 e o valor que poderia auferir pelo arrendamento deste imóvel aos preços de mercado, estou a perder algo na ordem dos €700 mensais, algo que aceitei na esperança de ver estas gentes a criarem raízes neste país que bem que está a precisar de uma lufada de ar fresco.
Como apenas recebo €503,24 mensais, é nesse valor que passo recibo todos os meses.
A 27 de Março de 2023 recebo, não directamente do IHRU - porque pelos vistos não se dignam a falar com os seus utentes e cidadãos claramente socialmente pro-activos, recebo a comunicação de que deveria passar recibo no valor total da renda, de €900. Explico que decidi, enquanto senhorio, aplicar um desconto a esta família.
A 11 de Maio de 2023, verificando que ainda não tinha sido feita a transferência por parte do IHRU (os atrasos eram normais), mando um email a perguntar o porquê da demora. Levaram 12 dias a responder - mais uma vez, indirectamente através da LX.Ucrania, aparentemente ignorando por completo as minhas explicações anteriores, que só pagam quando eu passar um recibo no valor de €900.
Respondi novamente, explicando o melhor possível a situação, mas a comunicação com estas pessoas é totalmente impossível. Sou ignorado e tudo o que me é dado a saber vem tarde, em transcrições formais e por intermédio de terceiros.
A situação é ridícula. Querem fazer esta família que está sob grandes dificuldades e sofrimento, pagar o que não lhes está a ser cobrado.
Creio que não será preciso muito para compreender o quão perversa é esta situação tendo em conta aqueles que deveriam ser os verdadeiros objectivos de um programa de apoio como o Porta de Entrada.
Infelizmente, temos a agradecer em grande parte ao IHRU o facto de esta família ter decidido desistir de Portugal. Cessámos o contrato por mútuo acordo a 31 de Maio de 2023, não cobrei nada do que me ficou devido, e vão regressar à Ucrânia. Espero que nada de mal lhes aconteça, mas se eu colaborasse com o IHRU não estaria a dormir descansado.
Data de ocorrência: 31 de maio 2023
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