Esta mensagem não tem por objetivo apresentar uma queixa particular, embora as situações que descrevo tivessem sido condicionadas por diversos erros de diagnóstico. Esta mensagem pretende sim alertar para as falhas presentes no processo de diagnóstico do AVC hemorrágico, e desta forma assumir-se como uma preocupação em relação ao respetivo sistema de alerta, diagnóstico e socorro.
Há cerca de dois anos tive um AVC hemorrágico originado por um aneurisma, quando rompeu, sofri subitamente uma pontada na nuca que originou uma dor de cabeça aguda insuportável. Foi contactado o 112 e após vinte minutos fui assistida por bombeiros que depois de um breve exame afirmaram ser uma cefaleia de stress. Considerando ser uma situação muito pouco urgente, recomendaram que fosse a um hospital privado uma vez que com este diagnóstico, no público iria esperar muitas horas. Aflita, pois não conseguia aguentar a dor, fui ao hospital da Cruz Vermelha, fiz testes idênticos aos dos bombeiros e o médico concluiu o mesmo diagnóstico, apesar de eu ter insistido que a cefaleia era súbita, intensa e sem causa conhecida. Aguentei mais meia hora enquanto me davam analgésicos e comuniquei que a dor não tinha cedido. Finalmente o médico resolveu-se pelo TAC, foi então revelada a hemorragia e fui encaminhada para o hospital de Santa Maria, onde cheguei cinco horas após o contacto com o CODU. Fiquei numa sala de observação para mais exames e fui depois transferida para o Hospital Egas Moniz para cirurgia endovascular. Passei duas semanas na UCI e uma na enfermaria.
Situação idêntica passou-se com o meu irmão no dia 16 de dezembro de 2024, que também sofreu um AVC hemorrágico. Mais uma vez, após o contacto com o 112, surgiram os bombeiros. Nem o CODU nem os bombeiros suspeitaram de AVC, porque não chamaram o INEM, ainda assim o meu irmão foi transportado ao hospital Fernando Fonseca. A triagem também não valorizou a súbita e terrível cefaleia, associada aos vómitos que o meu irmão referiu e deram-lhe uma pulseira amarela.
Após estes dois episódios fui pesquisar e verifiquei que as triagens de Manchester e de Cincinatti não assinalam os sintomas do AVC hemorrágico, a primeira orienta a dor intensa para a pulseira laranja (não lha deram) e os vómitos para a amarela, e a segunda só despista o AVC isquémico com base nos 3Fs, que não se aplicam ao hemorrágico.
Desta forma o meu irmão aguardou em sofrimento, enquanto a minha cunhada desesperada tentava alertar enfermeiros e médicos para a emergência da situação, porque devido ao meu caso já suspeitava que os sintomas fossem de um AVC. Sem que lhe dessem atenção, a espera foi de cinco horas numa cadeira. Após a consulta, ainda decorreram mais duas horas em analgesia e exames, com deslocações pelo seu pé. Por fim o TAC confirmou a hemorragia cerebral, já com início de hidrocefalia. O meu irmão foi transferido para o hospital S. Francisco Xavier, para lhe colocaram um dreno, e no dia 17, para o hospital Egas Moniz, onde passou duas semanas na UCI, tal como eu. Teve alta no dia 4 de janeiro de 2025.
Com base nesta experiência, pergunto se sintomas como esta dor de cabeça e vómitos não deveriam ser considerados para despiste de um caso de AVC hemorrágico, a juntar aos 3Fs do AVC isquémico, e permitir logo a ativação pré-hospitalar da Via Verde AVC. São amplos os esforços na prevenção e combate ao AVC isquémico, de que é prova essa via, porque será que o AVC hemorrágico não tem merecido a mesma atenção pelos profissionais de saúde, na fase pré-hospitalar? Será devido à sua menor incidência, 10 a 15% dos AVC? Este AVC acontece subitamente, e é impossível ignorá-lo, já o isquémico pode ser impercetível pelo doente e ser o próprio a atrasar o seu socorro. Como é possível os profissionais confundirem-no com uma cefaleia vulgar?
Felizmente ambos recuperámos, mas se o final não fosse assim, pergunto... quem se responsabilizaria por se ignorar a suspeita de um caso de AVC e não terem sido seguidos os procedimentos de emergência na fase pré-hospitalar?
Se aos profissionais de saúde escapa este diagnóstico, como poderá a população estar alerta? As campanhas não referem o AVC hemorrágico, para a maioria das pessoas só é AVC, o isquémico, quando digo que tive um aneurisma que rompeu, ninguém o reconhece como AVC, e seria tão importante as pessoas estarem informadas e alertas sobre esta emergência... O AVC hemorrágico tem uma alta taxa de mortalidade, muitos dos que sobrevivem ficam com sequelas. Recentemente, sei que estes AVC são de origem genética, ainda tenho um irmão mais novo... e há descendentes..., será que, caso precisem, vão ter o socorro adequado?
Agradeço a atenção do Portal da Queixa e qualquer observação ou comentário serão bem-vindos.
Data de ocorrência: 16 de dezembro 2024
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