Sequestrada por seguranças privados num autocarro da Rodoviária de Lisboa
Na última quarta-feira, 11 de Dezembro de 2019, fiquei presa, contra a minha vontade, num autocarro da carreira 313 da Rodoviária de Lisboa, “refém” dos desmandos de uma dupla de fiscais, pertencente à empresa de segurança privada Strong Charon.
Para além de ter sido obrigada a permanecer na viatura depois de o motorista a ter encostado à beira da estrada por ordem dos funcionários da Charon, fui desviada da minha rota, sem direito uma única palavra de esclarecimento.
O sequestro aconteceu quando o autocarro L167 regressava ao Campo Grande, ponto de onde partira às 11h30.
Tudo começou com uma infracção: duas passageiras, uma delas com uma criança de colo, foram apanhadas a viajar sem título de transporte.
Apesar de as incumpridoras se terem prontificado a pagar a viagem, reconhecendo a infracção, a arrogância e intransigência dos fiscais acabou por precipitar os acontecimentos que se seguiram.
Ao contrário do que parece ser a prática nestas ocasiões - em que os passageiros são convidados a abandonar o transporte na companhia dos fiscais e, já no exterior, multados -, neste caso o autocarro interrompeu a marcha e um dos funcionários da Charon saiu enquanto o outro permaneceu no comando.
Igualmente contra as expectativas dos mas de 20 passageiros que seguiam viagem, o autocarro continuou parado, encostado a uma berma improvisada, algures em Camarate.
Tudo isto sem que uma única palavra tenha sido dirigida aos utentes.
Aliás, durante o tempo em que a viatura permaneceu parada, as portas ficaram trancadas, não tendo sido permitido a ninguém sair daquela situação absurda.
Nem perante os protestos dos passageiros - que foram pedindo informações e alertando para os prejuízos profissionais e pessoais daquele atraso -, houve um esforço para esclarecer a situação.
Só por pura dedução foi possível concluir que o fiscal saíra do autocarro em busca de apoio policial.
Convém acrescentar que em nenhum momento as passageiras sem bilhete representaram uma ameaça à integridade física dos presentes.
Mais: conforme já mencionado, uma delas levava uma criança ao colo.
Ainda assim, o segurança, que nem sequer estava sozinho, resolveu deixar todos trancados no autocarro para ir atrás de um agente da PSP.
Do interior do autocarro, foi possível observar o fiscal desaparecer porta adentro de uma superfície comercial, para minutos depois reaparecer à entrada da mesma, já na companhia do polícia.
Como o fiscal regressou ao autocarro sozinho, por segundos deduzi que o assunto seria solucionado sem intervenção policial.
Puro engano. Não satisfeitos por obrigarem os passageiros a permanecer fechados e parados num autocarro que, àquela hora, já deveria estar quase no destino, os seguranças ordenaram ao motorista que seguisse viagem no sentido oposto.
Ou seja, em vez de retomar a marcha em direcção ao Campo Grande, a viatura deu meia volta para a direcção contrária.
Mais uma vez, nenhuma palavra foi dirigida aos passageiros, forçados a seguir no autocarro contra a sua vontade.
Pior: quando os utentes confrontaram os fiscais e o motorista, reivindicando os seus direitos, nomeadamente o de saberem para onde estavam a ser conduzidos e, até, o de escolherem sair do autocarro, foram tratados de forma rude.
O sequestro terminou apenas na esquadra de Camarate, onde os fiscais saíram com as passageiras apanhadas em infracção.
Nessa altura os ânimos estavam no pico da exaltação, centrados no papel do motorista, acusado de ter compactuado com o abuso de autoridade dos seguranças da Charon.
Luís Filipe Bogalho, motorista número 82818, garantiu que também agiu contra a sua vontade, acrescentando que até sugeriu aos fiscais que cobrassem mais do que um bilhete a cada uma das passageiras infractoras como forma de punição. O funcionário da Rodoviária de Lisboa adiantou ainda que está obrigado, pela empresa de transportes, a cumprir ordens da equipa de segurança.
E os passageiros que pagam o seu título de transporte? Também têm de ficar à mercê dos fiscais?
Como se não bastassem todos os excessos, nem sequer foi possível identificar os seguranças a partir do crachá, visto que os nomes não constavam do mesmo. No seu lugar estava apenas um número, imperceptível sem a colaboração dos visados.
Será a medida da impunidade?
Data de ocorrência: 16 de dezembro 2019
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