Opinião: O consumidor, o mau e o vilão

O que assistimos é a um “assobiar para o lado” por parte dos órgãos executivos do governo, nomeadamente nas finanças e economia, na medida em que culpam as grandes cadeias de distribuição, bancos, operadores energéticos e petrolíferas por lucros avultados, aplicando-lhes coimas e impostos extraordinários, ao contrário da lógica assunção de medidas preventivas, e de proximidade, que resultem em resultados de efetivos no combate à perda do poder de compra dos portugueses.

Enquanto que os dias festivos, são na sua essência, motivos para celebrar com momentos de festa e convívio, por outro lado, os dias que assinalam as datas comemorativas, servem para uma reflexão e melhoria em volta do tema em questão. Por essa razão, entendo ter uma voz ativa, quando o ecossistema de consumo é o centro da discussão, no âmbito do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor.
 

O consumidor.

Ao longo dos anos, muitos são os que têm tentado acertar na construção do perfil do consumidor atual, desde as agências de pesquisas de mercado, aos consultores e gurus do marketing, para que a estratégia das marcas, seja a mais aproximada das necessidades e expectativas dos seus potenciais clientes.

Contudo, devido à conjetura, seja relacionada com problemas socioeconómicos ou com os mercados financeiros, tem vindo a pregar enormes rasteiras nesta tarefa árdua de vender o produto certo, na hora certa e à pessoa adequada.

Então, como tem evoluído esse processo?

Durante décadas, o Marketing 1.0 ditou as regras de consumo, com a criação de tendências através de uma mensagem unidirecional, por deter o poder do controlo dos meios, onde o cliente consumia por meio da influência do storytelling criado à volta de uma marca ou produto. Sucedeu-lhe a era da informação, que foi influenciada pela evolução económica dos consumidores, no século XX, tendo como foco o seu comportamento de consumo.

Nesta etapa, a análise dos desejos e das necessidades dos consumidores, assumia um papel preponderante, na medida em que os consumidores passavam a ter mais acesso à informação e questionavam cada vez mais os bens que realmente queriam comprar. Mas é na fase do Marketing 3.0 que a estratégia assume o cliente como foco principal. É sobre ele que os produtos são pensados e desenhados, para solucionar não só os seus desejos, mas igualmente os seus anseios sociais.

A inclusão da tecnologia, participação e globalização, no qual as empresas percebiam ser fundamental para oferecer os produtos que a sociedade demandava, para suprir seus anseios e objetivos coletivos. Daí até à automatização, marketing digital, internet, redes sociais, marketing de conteúdo, entre outros temas que fazem parte do Marketing 4.0 e atual, foi um pequeno passo.

Muitos podem pensar que a evolução do Marketing 5.0 passará apenas pela transformação da inteligência artificial, através de Conversational AI, como o ChatGPT e outros, contudo o caminho do futuro do marketing das empresas, estará certamente centrado na tecnologia para a humanidade, fazendo com que esta trabalhe a favor da nossa qualidade de vida. Para isso, todas estas ferramentas de machine learning e leitura de big data, serão extremamente importante para que as marcas consigam manter-se relevantes para os consumidores, num mercado cada vez mais digital e competitivo.

No entanto, será justamente nesta etapa que a Reputação irá assumir um papel crucial no sucesso das empresas, porque consegue influenciar diretamente o comportamento do consumidor, na medida em que este será capaz de tomar decisões que correspondam às suas expectativas, baseadas em experiências partilhadas publicamente na internet, por outros consumidores e que farão parte do conteúdo recolhido pelos chatbots, que tanto falamos hoje em dia, para fazerem esse trabalho de pesquisa por nós.

Em suma, com o uso da tecnologia nas estratégias de marketing, será possível a criação de relacionamentos transparentes, próximos e duradouros entre empresa e clientes, e com isso ganhem poder de decisão de compra.


O mau.

Infelizmente, nos dias que correm o pior do consumo tem vindo à tona, pela falta de regulação e de apoio, por parte dos organismos do estado, que têm como principal obrigação a proteção dos direitos fundamentais dos consumidores.

A inflação veio para ficar, mas mais do que isso, veio para baixar o poder de compra e a confiança dos consumidores nos vários setores do mercado nacional. Se à partida a inflação afeta todos os agentes económicos, colocando pressão no aumento dos preços, devido ao igual aumento dos custos de produção, poderá dizer-se que é legitima a estratégia adotada. Contudo, a médio e longo prazo, o que se verifica é a desconfiança total dos consumidores nas instituições e organismos, nomeadamente aqueles que têm o dever de garantir o equilíbrio da economia, através da regulação dos mercados de forma consistente e proativa, ao invés da adoção de medidas reativas, ao sabor do impacto das notícias na esfera política.

O que assistimos, é um “assobiar para o lado” por parte dos órgãos executivos do governo, nomeadamente nas finanças e economia, na medida em que culpam as grandes cadeias de distribuição, bancos, operadores energéticos e petrolíferas por lucros avultados, aplicando-lhes coimas e impostos extraordinários, ao contrário da lógica assunção de medidas preventivas, e de proximidade, que resultem em resultados de efetivos no combate à perda do poder de compra dos portugueses. Infelizmente, estou certo que continuaremos a assistir os reguladores a agirem no papel de carrascos do governo, durante o resto do ano de crise que ainda temos pela frente.
 

O vilão.

O papel do vilão ficou para o fim, pois sou um resistente otimista, na medida em que ainda acredito que este irá ser vencido no final deste filme. Para tal papel, saliento a falta de literacia dos consumidores atuais, principalmente aquela a que diz respeito às compras pela internet. Se por um lado, a pandemia acelerou a digitalização dos portugueses, foi exatamente esse paradigma social que os colocou numa posição de risco e perigo que até então, estava apenas destinado aos mais audazes.

Navegar pela internet à procura do melhor negócio, pode parecer à partida, uma tarefa simples e muito contemporânea, até muito potenciada pela utilização de smartphones, contudo, poderia compará-la à necessidade da exigência de aulas de código e condução para a obtenção da habilitação para conduzir. Isto, porque nessa perspetiva a utilização de um equipamento em prol da nossa própria segurança e a dos outros, tem como pressuposto uma aprendizagem que não pode ser dissociada de um processo de experiência e conhecimento adquirido e não apenas baseada num conceito de inclusão digital insipido, assente em programas desqualificados e promovidos ad hoc em eventos de manifestação altruísta por um público-alvo que nunca é tido nem achado.

Os consumidores estão à sua mercê, aprendem com os seus próprios erros e com os dos outros, mas sempre num cenário de grande perda financeira, resultando na desconfiança da tecnologia, afastando-os cada vez mais, do tal conceito que esta servirá para melhorar a nossa qualidade de vida. Num país onde a baixa literacia reina e é líder no ranking europeu, urge um debate público para a mobilização de todos os agentes no ecossistema de consumo, com vista à possibilidade da criação de estratégias de combate ao risco de burla e esquemas de fraude através da internet.

O conhecimento, a capacidade de pesquisa antes de comprar e a experiência, serão certamente as melhores armas ao alcance dos consumidores. Falta agora, saber como os prover dessas condições.

 

Artigo publicado em: Exame 


Comentários(1)

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Daniel Rodrigues

Oh... coitadinhas das grandes cadeias de distribuição...

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