Opinião: Salve-se quem puder… no digital!

As formas de burla e fraude online são tão diversificadas, que dificulta a sua enumeração em lista, para poder servir como um guia de problemas a evitar. O perigo tanto pode espreitar na forma de venda pelo canal utilizado, como pelo produto, até à forma de pagamento.

Opinião: Salve-se quem puder… no digital!

Por Pedro Lourenço, CEO & founder do Portal da Queixa by Consumers Trust e embaixador da Comissão Europeia para os Direitos do Consumidor

Diariamente, sem exceção, são partilhadas através do Portal da Queixa, experiências negativas com elevadas perdas financeiras para os consumidores, na sequência de esquemas de burla e fraude digital. Números que ascendem a centenas de milhares de euros, apenas na primeira metade do ano, com um registo de aumento na ordem dos 130%, quando relacionado apenas com as práticas fraudulentas por phishing através de cartões de crédito. As histórias repetem-se a cada dia que passa, chegando a ultrapassar as 600 por mês! São cada vez mais, os consumidores que arriscam a entrar no mundo online, aliciados por estratégias de marketing que premeiam o uso dos canais digitais, sem possuírem o mínimo de conhecimento para o risco que enfrentam, colocando a sua segurança em causa.

As formas de burla e fraude online são tão diversificadas, que dificulta a sua enumeração em lista, para poder servir como um guia de problemas a evitar. O perigo tanto pode espreitar na forma de venda pelo canal utilizado, como pelo produto, até à forma de pagamento. Para se conseguir dominar todas as boas práticas de compra online em segurança, são necessários vários anos de experiência e contínua aprendizagem. A preocupante condição, que todas estas histórias têm em comum, está infelizmente relacionada com a falta de literacia, na utilização de ferramentas digitais.

Portugal continua a ocupar o miserável 52º lugar (o pior da Europa) no ranking mundial de países com maior literacia digital, segundo o estudo “The Inclusive Internet Index” do prestigiado órgão de comunicação social – The Economist.

Segundo o governo português de António Costa, a forma de combater a desigualdade social foi criar inúmeros gabinetes e pastas governativas, como a secretaria de Estado para a Transição Digital, a secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade e a secretaria de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor. Face ao tema em apreço e a meio do segundo mandato, que resultado obtivemos até então? Um aumento exponencial de consumidores vítimas de burla e fraude informática, com perdas e danos irreversíveis na confiança digital.

De acordo com os dados do Centro Nacional de Cibersegurança, no ano passado, foram registados 1418 casos de cibercrime. Destes, 649 referem-se a fraudes, com destaque para os esquemas por phishing, que dispararam de 236 para 613. Segundo aponta o Relatório Anual de Segurança Interna 2020 (RASI), as práticas de fraude têm sido facilitadas pela “crescente facilidade e normalidade do recurso ao comércio eletrónico, frequentemente sem as necessárias e adequadas regras de segurança.”

Com este exemplo, pretendo demonstrar que para conseguirmos uma evolução considerável de literacia digital, na sociedade portuguesa, é necessário existirem reais catalisadores de mudança, que considerem as variáveis sociais. Estímulos que potenciem o interesse na aprendizagem e a continuidade na percussão de competências que são mais exigentes a cada dia que passa, por conta da evolução tecnológica. Não podemos utilizar um discurso demagogo em prol de uma utopia. Dar a ideia que os portugueses serão capazes de utilizar ferramentas digitais, com segurança e literacia suficiente para serem autónomos, com iniciativas como o “Eu sou digital”, cuja ambição é promover a capacitação digital de um milhão de adultos em Portugal até ao final de 2023, através de uma formação básica ministrada por voluntários sem a eficiente validação das suas competências, é perigoso e pode ter impacto irreversível na confiança dos consumidores, nomeadamente na utilização do comércio eletrónico. Com tantas entidades e empresas de considerável reputação associadas a este projeto “Eu sou digital”, será que ninguém questionou a sua volatilidade e o perigo que poderá representar?

A formação de competências digitais deve ser uma matéria de grande responsabilidade e compromisso, e não uma iniciativa para atingir KPI’s de headlines.

Na sociedade em rede, é inegável a importância da literacia dos consumidores, como fator de empoderamento e potenciador de uma cidadania ativa e inclusiva. A posse ou não dessas competências digitais, são elementos decisivos no processo de inclusão ou exclusão social, por isso não podem ser matérias de governação tratadas com a leviandade a que assistimos, nos últimos anos.

Por conseguinte, é cada vez mais urgente uma política que salvaguarde o aumento da literacia digital dos consumidores portugueses, para mitigar os problemas associados às compras através do comércio eletrónico, sob pena de poderemos estar a assistir à consequente desconfiança por parte destes e à quebra das vendas no setor, caso não se apliquem políticas de consciencialização e ações pedagógicas, na medida em que, o conhecimento será sempre a melhor arma no combate as práticas fraudulentas.

(publicado originalmente na Revista Exame)


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