Opinião: Shark Tank à portuguesa. Todos querem ser o Júlio Isidro dos unicórnios.

Já sei que o meu ceticismo relativo aos modelos instituídos no ecossistema do empreendedorismo em Portugal, não me permitem agourar o sucesso da maioria das start-ups nacionais, mas, infelizmente é a realidade da era em que vivemos, na qual se fabricam unicórnios!

Ser um(a) jovem, ter uma ideia tecnológica inovadora e desenvolvê-la numa garagem ou num centro de investigação da universidade, são os ingredientes necessários para arruinar um potencial negócio, que à partida até poderia alcançar o estatuto de unicórnio. Já sei que o meu ceticismo relativo aos modelos instituídos no ecossistema do empreendedorismo em Portugal, não me permitem agourar o sucesso da maioria das start-ups nacionais, mas, infelizmente é a realidade da era em que vivemos, na qual se fabricam unicórnios!

Senão vejamos. Temos registo de pelo menos sete empresas com o estatuto de unicórnio, que possuem algum ADN português, contudo, nem uma, está em território nacional. E porquê? Porque o sistema de fundraising em Portugal é exatamente igual ao da formação das camadas jovens do futebol em Portugal - um autêntico flop em matéria de retenção de valor. Qual clube da divisão regional, onde nasce um talento à escala global que após alcançar a elite futebolística, o desgraçado do clube ainda súplica pela atenção mediática, trazendo até si o mérito da descoberta e da ascensão do astro, para que algum do retorno financeiro e mediático possa cobrir o enorme buraco do investimento feito até então.

Sim, este é o retrato do ecossistema de start-ups em Portugal. Recheado de fábricas, incubadoras, aceleradoras, hubs de desenvolvimento, ou seja, tudo aquilo que possa filtrar uma ideia de sucesso, assente num estereótipo de que deve ser rapidamente escalável pelo mundo fora. De que deve dar resposta a um problema com uma solução altamente tecnológica, de preferência com blockchain, machine learning ou inteligência artificial e desenvolvida por um grupo de dois ou três jovens recém-licenciados. A questão é justamente esta. O estereótipo quase que vende por si só, pois cria a ideia de algo extremamente inovador e disruptivo, comparando-o com a atualidade, o que causa a sensação de FOMO (fear of missing out) nos investidores a quem são apresentados o pitch. Para o leitor mais desatento só esta panóplia de estrangeirismos, até já soa a algo tentador, para aplicar as poupanças de uma vida, por isso, imagine o que significará para um fundo de investimento, que visa a valorização dos seus ativos através da especulação do que representam para mercado.

Na realidade os fundos de investimentos, conhecidos por venture capital, estão a matar o ecossistema de criação de novas empresas, ao contrário do que realmente é apregoado pelos representantes do governo, nomeadamente o Ministro da Economia e do Mar - António Costa da Silva e o Presidente da Câmara de Lisboa - Carlos Moedas, que ao criarem os programas de incentivos financeiros do PRR assentes na esfera do circuito dos investidores de venture capital, estarão a levar ao insucesso pelo menos nove em cada dez start-ups.

A criação de uma start-up - diferenciada de uma normal empresa, pela sua capacidade de escalar para outros mercados e geografias – requer igualmente de um modelo de negócio sólido, sustentável, com market fit e principalmente com o tempo e a estabilidade necessária para que os seus fundadores possam errar, testar e errar e testar novamente até conseguirem encontrar a melhor solução para o problema, a que se propõem resolver.

Contudo, para um projeto que ambiciona ser avaliado em mais de 1 bilhão de euros ou dólares, esse tempo representa dinheiro e por isso, não existe margem para esperar até acertar no produto mais eficiente. Até lá, é necessário alavancar o potencial da empresa com rondas de investimento na ordem dos milhões de euros para valorizar o ativo e criar uma bolha de especulação financeira. Então, porque é que tudo acontece com esta rapidez, pouco sensata, a que deveria obrigar qualquer investimento financeiro? Porque os fundos são mecanismos de aplicação financeira, formados por vários investidores que se juntam na aquisição de ativos na expectativa de que, com o tempo, estes produzam um retorno efetivo de lucro, através da sua valorização, independentemente do resultado líquido que os ativos possam estar a obter no final de cada ano. Por esta razão, grande parte das empresas com estatuto de unicórnio não conseguem ser rentáveis e ter lucro, estando sempre com necessidades de injeções de capital para gerirem os seus fluxos de caixa, durante o tempo útil de vida da empresa.

Por sua vez, os investidores visam a receita de crescimento, pois valoriza os seus ativos, tendo em conta que a avaliação de uma empresa, é normalmente um múltiplo de 10 vezes a sua receita bruta, deixando o lucro e a sustentabilidade para mais tarde. Este tipo de estratégia de investimento é o caminho para a bancarrota destas empresas, potenciado pela presença de membros no conselho de administração que representam os interesses do fundo e nunca os dos seus fundadores. É por esta razão que o rácio de sucesso das start-ups é de apenas 1 em cada 10.

O papel dos caçadores de unicórnios dos fundos de investimento

O processo de candidatura ao investimento por um fundo de venture capital, é muito idêntico a qualquer programa de talentos na televisão. É composto por colaboradores que trabalham para o fundo, conhecidos como partners, que na sua maioria nunca foram realmente bem-sucedido como empreendedores e que agora, se propõem a identificar a melhor ideia de sucesso para o futuro. Para o conseguir, fazem uma avaliação empírica do negócio, sem deterem os conhecimentos suficientes para desafiar o processo criativo do fundador. Contudo, detêm o poder de decisão porque estão na posse do valor monetário que irá possibilitar o projeto a ver a luz do dia. Logo, neste processo é expectável que o empreendedor tenha a capacidade de vender a sua ideia, o que para tal basta estar de acordo com o estereótipo que descrevi no início deste artigo e disponível para embarcar numa espiral de pressão e testes de stress na gestão de uma empresa para a qual ainda nem sequer imaginava que viria a existir.

Crescer, crescer, crescer! São as palavas de ordem. Tem de valer dez vezes mais em pouco tempo, para que o fundo possa fazer o chamado exit e passar o ativo para as mãos de outros investidores, com um lucro substancial, independentemente do estado em que fica a empresa e principalmente os seus fundadores. Das dez ideias investidas inicialmente, uma será com certeza um tiro certeiro e dará o retorno expectável aos investidores do fundo, migrando a sua sede para outro mercado. E para onde vai todo o investimento do estado em unicórnios? Para mercados como o de Inglaterra, Estados Unidos da América, etc. Quanto às outras nove, temos pena, mas são as vicissitudes de um mercado tão globalizado e competitivo como o que temos atualmente. Restará a estes empreendedores tentarem novamente, com outra ideia ou entrarem no mercado de trabalho como alguém que já foi CEO de uma promissora start-up que já deu que falar.

Infelizmente este é o retrato do nosso ecossistema de empreendedorismo, uma falácia e um conto de fadas com unicórnios a voar (para fora de Portugal).

 

Opinião publicada no Dinheiro Vivo


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