Da baba de caracol à banha da cobra. As televendas em Portugal

Trens de cozinha, sprays para a calvície e suplementos alimentares para tudo e para todos. As televendas mudaram e os hábitos de consumo também. Mas há ainda quem se sinta enganado.

Da baba de caracol à banha da cobra. As televendas em Portugal

por Rita Cipriano

Primeiro vieram os trens de cozinha em aço inoxidável, as facas que cortavam pregos e as tintas que faziam crescer cabelo. Depois vieram os ginásios portáteis, as máquinas que davam choques e que faziam emagrecer, os aspiradores que pareciam naves espaciais e as máquinas de costura que não cosiam, só alinhavavam. A febre das televendas foi tal, que até teve direito ao seu próprio sketch no Herman Enciclopédia, no final dos anos 90.

 

Apesar de a época de ouro das televendas já ter passado, há ainda quem escolha comprar produtos pelo telefone. Ariana Cabrita, de Castro Verde, é uma dessas pessoas. Comprou o primeiro artigo de televendas — uma máquina de fazer exercício, chamada Cardio Twister —  “há alguns anos”. O preço, garante, foi bom. “Não chegou aos 100 euros. É uma máquina do mais simples que há. Até é boa, cumpre a função a que estava destinada.” Porém, da segunda vez que fez uma compra por telefone já não teve tanta sorte.

Em fevereiro de 2015, Ariana Cabrita comprou uma bengala “perfeita” para a sogra. Na altura, mal sabia as dores de cabeça que a Gigashopping lhe ia dar. Apesar de “cumprir os mínimos obrigatórios”, a bengala não era a mais indicada. “Vemos na televisão e parece a melhor coisa do mundo. Não é confortável, não é uma bengala robusta”, contou ao Observador.

Feita de metal, com um elástico e umas ventosas na ponta, Ariana garante que a bengala “perfeita” está longe de ser ao vivo o que parece ser na televisão. “Parece um joystick, é giratória. Claro que eles na televisão fazem tudo para encher o olho e para dar vontade de comprar.”

Decidiu devolvê-la à Gigashopping, uma das empresas de televendas que comercializa o produto em Portugal. Dentro da embalagem, vinha uma “cartinha de boas vindas” onde, no final, vinha o número de uma linha de apoio e de reembolsos. Passou dias a fio a ligar para a linha que vinha na “cartinha”, mas ninguém atendeu.

Voltou a embalar cuidadosamente a bengala, escreveu uma carta a explicar o porquê de estar a devolvê-la e enviou-a de volta para a Gigashopping, na esperança de receber uma resposta da parte da empresa. Mas isso não aconteceu. Ariana Cabrita decidiu então vasculhar a internet à procura de um outro número de contacto. E encontrou-o, no site da empresa de vendas por telefone. “No site, tinham outro número para comprar, que era diferente do que passa da televisão. Não era o 800 qualquer coisa, era um número fixo”, explicou ao Observador.

Do número fixo, disseram-lhe que aquela “linha” era “para comprar, não é para reclamar”, e encaminharam-na para o número de apoio. Ariana Cabrita voltou a ligar e, como das outras vezes, ninguém atendeu. “Se não me querem devolver o dinheiro, que me devolvam o produto. Eu vendo-o no OLX a metade do preço ou dou-o ao vizinho do lado. Sinto-me enganada. Paguei duas vezes os portes e envio.”

 
"Se não me querem devolver o dinheiro, que me devolvam o produto. Eu vendo-o no OLX a metade do preço ou dou-o ao vizinho do lado. Sinto-me enganada."
Ariana Cabrita

Enganada e indignada, Ariana chegou mesmo a contactar a Adicional, a empresa que faz a entrega dos produtos comercializados pela Gigashopping. O problema é que a Adicional, uma empresa externa e independente, não tem nada a ver com a empresa de televendas. Foi exatamente isso que disseram a Ariana Cabrita. “E fiquei nisto”, desabafou. “Esmiucei, pesquisei. Sinto-me revoltada. Não é pelo valor em si, é pela atitude. É o meu dinheiro. Se não queriam devolver-me o dinheiro, ao menos que me devolvessem o produto. Fiquei sem nada — sem dinheiro e sem produto.”

Há cerca de duas semanas, Ariana Cabrita recebeu uma chamada de um número desconhecido. Do outro lado do telefone, estava um homem que “nem português correto sabia falar” e que a informou que estava a ligar da linha de apoio da Gigashopping. “Eu nem queria acreditar”, contou. O telefonista perguntou-lhe se tinha recebido o produto e se estava satisfeita com a compra. Incrédula, Ariana perguntou-lhe se aquela chamada “era uma piada”.

“Já recebi, devolvi e fiz uma reclamação” no Portal da Queixa, disse-lhe Ariana Cabrita. O homem, que não pareceu ter ficado muito satisfeito com a resposta, voltou a reencaminhar Ariana para a linha de reclamações onde, como das outras vezes, ninguém atendeu.

No Portal da Queixa, existem 11 reclamações relacionadas com os produtos e o serviço de pós-venda da Gigashopping. Duas delas são relacionadas com a bengala “perfeita”. Nenhuma das queixas teve resposta.

Contactada pelo Portal da Queixa, uma plataforma de reclamação online que pretende facilitar o contacto entre empresas e consumidores, a Gigashoppping não deu qualquer explicação. Pedro Lourenço, administrador da plataforma, explicou ao Observador que o caso de Ariana Cabrita não é único.

“A Gigashopping, não devolveu qualquer contacto às reclamações apresentadas. É de salientar que o nosso sistema envia uma notificação para a entidade visada à data da reclamação e volta a relembrar por mais sete semanas seguidas, de forma a solicitar o contacto com o consumidor”, esclareceu o administrador. “Este é um dos casos flagrantes, em que a entidade não tem intenção de manifestar contacto com o consumidor em matéria de reclamação.”

O Observador tentou contactar Gigashopping através dos contactos disponíveis no site da empresa. Porém, até ao momento, ainda não obteve resposta.

 

Ler mais em: Jornal Observador


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