Opinião: Analfabetos digitais? Ainda há muitos!

Analfabeto de ontem era o iletrado, não conhecedor do alfabeto, o de hoje, é aquele que não saber usar corretamente as inovações tecnológicas no seu redor.

Opinião: Analfabetos digitais? Ainda há muitos!

A Transformação Digital é um dos movimentos mais democráticos que a sociedade já assistiu. É um processo que impacta (e impactará), positiva ou negativamente, em qualquer pessoa, sem relevância pela sua atividade profissional, área de atuação, experiência, idade, género, raça, posição social, etc. Para uma melhor compreensão, vamos dividi-las em dois grupos, as pessoas com conhecimento de tecnologia – seja por motivos profissionais, por interesse ou hobby -, e os que se consideram analfabetos digitais ou simplesmente utilizadores comuns.

Este artigo é para o segundo grupo: os analfabetos digitais.

Decorria o ano de 1996, quando experimentei navegar na internet, pela primeira vez. Entrei sozinho num cibercafé e decidi conhecer aquela nova forma de comunicar, que estava apenas ao alcance dos geeks. Recordo-me da primeira pesquisa que fiz através do Netscape, – um dos primeiros motores de busca antes do Google – onde procurei pelo trabalho de Philippe Starck, um dos mais conceituados designers contemporâneos, que até então, apreciava apenas pelos livros. Depois daquela primeira experiência, nunca mais parei de navegar pela internet e logo ali, percebi que o meu futuro profissional teria de crescer na web. Considero-me um privilegiado na minha geração, pois já utilizava computadores desde os meus oito anos, o que me permitiu aprender, com relativa facilidade, a utilizar novas aplicações que foram surgindo até aos dias de hoje.

Portanto, posso afirmar que estou incluído no primeiro grupo de pessoas acima referido. Mas, a principal questão que levanto é: A que percentagem corresponde cada grupo na atual sociedade digital? Quantos de nós tivemos a oportunidade de ter uma aprendizagem ao longo do tempo, antes de serem obrigados a transitar para o digital?

A resposta pode ser encontrada no relatório anual “The Inclusive Internet Index 2020”, elaborado pela revista britânica The Economist, encomendado pelo Facebook, que avaliou recentemente como a internet contribui positivamente para melhorar fatores socioeconómicos. Infelizmente, os resultados apontam que Portugal é o pior país da UE, ocupando a 44º posição mundial, no ranking da Literacia Digital.

Este relatório avalia a extensão da alfabetização de cada país, para usar a Internet para fins úteis, como ler notícias, aceder informações de saúde ou educacionais, nas pessoas que conseguem ler e escrever. É importante ressalvar que o analfabetismo digital não tem nada que ver com grau de escolaridade ou cultural, mas que afeta todos de forma transversal. Não há nada que estejamos a utilizar ou a consumir que não tenha, direta ou indiretamente, tecnologia. Por isso, analfabeto de ontem era o iletrado, não conhecedor do alfabeto, o de hoje, é aquele que não saber usar corretamente as inovações tecnológicas no seu redor.

Apesar de cada vez mais pessoas, estarem conscientes da importância da transformação digital no seu dia-a-dia – muitas das quais estarão a ler este artigo no seu smartphone – ainda existe um enorme caminho para percorrer, para que o exercício da cidadania no ambiente virtual ocorra para todos. Exemplo disso ocorreu em contexto pandémico, onde assistimos à necessidade de aquisição de produtos de toda a natureza através de tecnologia e a maioria dos consumidores não detinha o mínimo conhecimento para o fazer em segurança. Não se verificou de igual forma, qualquer medida por parte dos decisores políticos, para inverter esta curva ascendente.

Todos os dias, somos informados de novas medidas que visam mitigar os prejuízos do comércio, da restauração e das empresas em geral, forçados a fazerem a sua transição digital, com esperança que seja a salvação, contudo, não consigo entender como pretendem fazer crescer a economia assente em transações digitais, com a maioria dos consumidores incapazes de o fazer em segurança. Como podemos aceitar que o Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital e o seu Secretário de Estado da Defesa do Consumidor, não tenham uma política que salvaguarde os reais interesses dos consumidores, que por sua vez assegurarão o crescimento económico digital?

Por conseguinte, na falta de iniciativa política, não ficamos indiferentes e assumimos o nosso dever enquanto parte integrante do ecossistema de consumo e criámos um movimento cívico pela literacia digital dos portugueses, alertando para os perigos na internet, no sentido de evitar burlas e esquemas fraudulentos. Nasceu, assim, a campanha: #NãoSejasPato.

Espero, de verdade, que nos próximos anos, possamos assistir a mais casos de inclusão digital, liderados pelas empresas e pelos movimentos sociais, enfatizando a necessidade de que a educação tecnológica aconteça ainda na escola, para que as nossas crianças não usem as novas tecnologias como mero passatempo, mas como uma poderosa ferramenta de desenvolvimento socioeconómico.

 

Artigo de opinião de Pedro Lourenço, CEO do Portal da Queixa, fundador da Consumers Trust e embaixador da Comissão Europeia para os Direitos do Consumidor - inicialmente publicado na Revista Exame


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