50 anos depois, a revolução dos parvos

"Cinquenta anos após a Revolução dos Cravos, Portugal depara-se com o seu reflexo num espelho distorcido, perguntando-se como chegamos aqui e para onde vamos a seguir."

Pedro Barros Lourenço, CEO & Founder da Consumers Trust

No ano em que Portugal assinala os 50 anos do 25 de Abril – celebração emblemática da vitória sobre o fascismo -, os eleitores portugueses proporcionaram uma pitada de ironia amarga nas recentes eleições legislativas. Na verdade, foi mais do que uma pitada. Foi um banquete de sarcasmo e revolta, temperado com um voto expressivo no partido “Chega”. Que forma peculiar de comemorar a liberdade e a democracia.

Vamos retroceder um pouco. Portugal, esse país de encantos e desencantos, tem assistido a uma gestão política que oscila entre o medíocre e o francamente desastroso. Os nossos políticos, com as suas manobras erráticas, conseguiram um feito notável: desacreditar totalmente a política e as instituições, empurrando os cidadãos para um estado de ceticismo profundo. E com isso, os portugueses começaram a olhar para o seu voto como uma mera formalidade, sem impacto, sem consequência, pois “são todos farinha do mesmo saco”.

Não surpreende, portanto, que tenhamos chegado a um ponto de abstenção eleitoral histórica. Uma abstenção que reflete não apenas apatia, mas uma repulsa coletiva ao statu quo. Mas, oh que ironia! E não é que nesta eleição, o padrão inverteu-se? Os portugueses saíram em massa para votar, mas não por um sentido renovado de dever cívico. Foi um voto de protesto, um grito de raiva contra o sistema. Contra o regime, que está podre e em descrédito. E que melhor forma de gritar, do que dar voz a um partido que simboliza tudo aquilo contra o qual lutámos há meio século?

“Chega”, um partido com uma retórica populista, xenófoba e com traços alarmantes de fascismo, foi o veículo dessa revolta. Mas, deixem-me ser claro: não acredito que os mais de um milhão de votantes se identifiquem genuinamente com as ideologias deste partido. Aliás, atrevo-me a dizer que NENHUM deles leu o programa eleitoral. Eles são os parvos desta trágica comédia. Parvos por colocarem no mapa eleitoral, um partido cujas consequências a curto prazo mal conseguem imaginar. Que felizes são estes inocentes ignorantes, que, em modo de frustração, abriram a caixa de Pandora.

Este ato eleitoral foi, sem dúvida, mais um capítulo de uma peça trágica, onde o vilão ressurge apesar de já ter sido derrotado pelo herói – neste caso, a democracia. Agora, aguardaremos os próximos capítulos, tortuosos e incertos, na luta constante para reconquistar a vitória sobre os fantasmas do passado. Esperemos que demore até que outros “parvos” decidam abrir esta caixa de Pandora novamente.

No final, o que resta é uma reflexão amarga sobre a condição humana e a fragilidade da democracia. Cinquenta anos após a Revolução dos Cravos, Portugal depara-se com o seu reflexo num espelho distorcido, perguntando-se como chegamos aqui e para onde vamos a seguir. Resta-nos esperar que a resposta seja mais luminosa do que o presente sombrio sugere.

 

Opinião publicado em: Jornal NOVO


Comentários(2)

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Hermenegildo Ataíde

Parvo é quem chama parvos aos que não têm as mesmas ideias que ele. Por aqui se vê o tipo de democracia que tem: democracia sim, desde que pensem como ele

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Alcino Ferreira da Silva

Parvos são aqueles que como eu acredita que a democracia faz parte de uma conquista que nos iria transmitir tudo aquilo que a liberdade nos proporcionou, respeito pelo próximo, deveres e direitos e principalmente CIDADANIA aquela disciplina que muita gente faz questão de desconhecer pelo interesse próprio que se sobrepõe a tudo e a todos. Neste país que tanto se orgulha da conquista dos valores do 25 de abril, mais não faz que promover através daqueles que tem a responsabilidade de gerir este país e que consequentemente atropela tudo e todos tomando em conta o " EU QUERO POSSO E MANDO" pensando unicamente em atingir objetivos sem olhar a meios, confundindo democracia e liberdade com a subjugação e supremacia sobre aqueles que nada tem, que trabalham de sol a sol e não conseguem sair da mediocridade em prol de muitos que através de múltiplas facetas conseguem ludibriar privados, instituições e outros, com impunidade assegurada. Não me estranhou de facto o contributo dos nossos votantes que por direito próprio deixaram bem explícito a pouca empatia e descontrolo de todas as entidades publicas a que temos o direito de acesso e para o qual nos devem servir em democracia. O julgamento final chegou e a mudança também, só faltam os ressoltados que iremos escrutinar a partir de agora, espero honestamente que este país fique melhor para todos e não só para alguns mais favorecidos e que os nossos deveres estejam presentes antes de exigirmos os nossos direitos, faz parte do fortalecimento duma democracia forte e consolidada.

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