O meu nome é Julieta de Almeida Mota sou filha de Teresa de Jesus Almeida Mota e acompanhei a minha mãe num episódio de doença ao Hospital de Santa Maria.
1. No dia 17 de maio de 2020, pelas 02.30h, e no seguimento de diversos contactos com o SNS 24, dirigi-me ao Hospital de Santa Maria para dar entrada da minha mãe nas urgências. Foi indicada para a área do COVID-19, no entanto de lá foi encaminhada para a urgência “amarelos”.
2. A minha mãe tem 99 anos e mesmo com as limitações da idade foi apenas necessária cadeira de rodas para a transportar. Quando a enfermeira a foi entregar à sala de espera dos “amarelos” eu acompanhei todo o processo, e pedi repetidamente que me deixassem ficar porque depois ela teria dificuldade em explicar ao médico tudo o que se tinha passado desde sexta feira dia 15 de maio de 2020 e tendo em conta a idade não era aconselhável ficar sozinha. Disseram-me que não, voltei a pedir, disseram que não, que ela "estava acordada e que podia falar com o médico sem problema nenhum!". Não concordei, mas também não queria estar a insistir tendo em conta a situação especial em que estamos, e acreditando que a minha mãe estaria nas mãos de pessoas responsáveis.
3. Pelas 03,00h o médico ligou para o meu telemóvel para que lhe explicasse o que se estava a passar com a minha mãe (era óbvio que ela não tinha conseguido explicar nada). Falei com o médico e até lhe pedi para me deixar entrar para explicar melhor, o que ele insistiu que não podia estar lá dentro, portanto teria de lhe explicar pelo telemóvel. Assim foi.
4. Às 05.30h sem ter recebido qualquer informação sobre a minha mãe pedi na receção que me deixassem ver a minha mãe para saber o que se passava. O funcionário ligou para os “amarelos” e pediu autorização para entrar o que me foi concedida.
5. Chegada à sala de espera não vi a minha mãe, perguntei ao segurança que me sugeriu que talvez estive a fazer exames. Sem perceber o porquê de me deixarem entrar se ela estava a fazer exames insisti com o segurança que me disse para voltar à receção para saber com quem tinha falado. Vendo a minha preocupação, uma auxiliar que estava ali perto perguntou-me se “a minha mãe era uma senhora de idade numa cadeira de rodas”. Confirmando a senhora disse para a acompanhar porque achava que quem eu procurava estava na zona do Raio-X. Quando cheguei à sala (relativamente longe do local dos gabinetes), fiquei em pânico! A minha mãe estava completamente sozinha na sala sentada na cadeira de rodas. A auxiliar diz-me, “minha senhora, ela já está aqui há bem perto de hora e meia”. Fiquei incrédula! Como é que era possível!
6. A minha mãe estava adormecida, sentada na cadeira de rodas com o robe vestido numa manga e na outra despida (pois tinham estado a tirar sangue para fazer análises), e com um copo de plástico (dentro do copo estava uma seringa) na mão. Os pés dela estavam pousados no chão com os “pousa pés” fechados, sim fechados! Perguntei-lhe o que estava ali a fazer ao que ela responde “então filha onde foste que demoraste tanto? Deram-me isto mas eu já bebi tudo”… Mais uma vez a auxiliar diz “isso serve para recolher a urina para fazer análises”. Como é que é possível que lhe tenham entregue aquilo e pensado que ela iria SOZINHA à casa de banho, fazer todas as manobras necessárias SOZINHA para recolher a urina!
7. Dirigi-me à sala de enfermagem, onde se encontravam três enfermeiras sentadas (com todo o respeito pelo seu descanso que também precisam, mas se havia a minha mãe para tratar, não era período de descanso!) e perguntei se achavam que estava correto a forma como as coisas se passaram. Uma enfermeira acompanhou-me ao pé da minha mãe e diz “pois ela já fez todos os exames só falta mesmo esse”. Pois, e põem uma idosa de 99 anos à espera 1.30h e achavam que ela ia fazer tudo SOZINHA.
8. Levei a minha mãe à casa de banho, acompanhada por uma das enfermeiras presentes na sala e comecei a fazer a recolha da urina. Quando levanto a camisa de dormir, meu Deus... tinha fezes até à cintura! Como é que é possível?! A enfermeira que assistiu a tudo, ficou sem palavras, apenas foi buscar toalhetes molhados para eu a limpar. Assim fiz. Claro que durante aquele tempo todo acabou por fazer tudo na fralda, para recolher a urina para a análise foi muito complicado, mas com alguma paciência lá se conseguiu.
9. Exposto o sucedido, parece-me justo esta reclamação pois numa altura em que tanto se elogia os profissionais de saúde, deve ser feita uma análise pormenorizada desta situação pois existem vários profissionais de saúde que tiveram uma atitude irresponsável e de grande falta de profissionalismo que não pode de forma alguma acontecer numa instituição de saúde com o nome de Hospital de Santa Maria. Acredito e espero que sejam poucos mas o que é certo é que existem. Não são só os doentes de COVID-19 que têm o direito de ser bem tratados, os outros também. Aproveito para elogiar, e essa sim merece um bom elogio, a auxiliar que me informou onde estava a minha mãe.
10. Coloco à vossa reflexão alguns pontos:
a. Deixar uma pessoa com 99 anos de idade sentada numa cadeira de rodas, não ter o devido cuidado em a vestir completamente, deixar os pés no chão com os “pousa pés” em posição baixa (se por qualquer motivo ela decidisse levantar-se da cadeira e andar, até mesmo para fazer o que lhe pediram, recolher a urina, tropeçava caía, porque iria cair com certeza, o que teriam agora para me dizer?), abandonada durante 1.30h, é digno de um hospital? À espera que ela fizesse algo que logicamente nunca iria acontecer?;
b. A minha mãe quando saiu de casa para ir para o hospital, fizemos a higiene e mudamos a fralda. Ela tinha duas fraldas como sempre tem. Se a minha mãe tinha fezes na fralda, alguém teria de a limpar, chamavam-me que eu iria fazer, sem problema nenhum. Quem lhe fez o Raio-X de certeza absoluta que viu as condições em que ela estava e a obrigação moral e profissional seria de tratar dela, indicar alguém para o fazer ou, caso tivessem com nojo, chamar-me para eu o fazer. Não se deixa uma pessoa naquelas condições nem um minuto quanto mais 1.30h;
c. Depois de ter assistido a todo este episódio triste e desumano, disse que já não sairia mais dali e que não a deixava mais sozinha, fui autorizada a ficar. Agradeço que o tenham feito, até porque se me obrigassem a sair dali, levaria a minha mãe comigo, e tudo o que acontecesse depois seria responsabilidade do hospital. Somos pessoas educadas e de bom senso, compreendemos que os hospitais são locais difíceis de lidar diariamente, mas a minha mãe não tem culpa das profissões que cada um decidiu abraçar e que deve levar a sério, todos com certeza já sabem para o que vão e isso inclui o bom do sucesso até ao mau de limpar fezes de um doente, falamos de seres humanos. Até fazer isso a um animal seria crime.
d. Se, devido à situação de pandemia do COVID-19, protegendo assim os outros, os seus e a si mesmos, não existem condições para deixar os acompanhantes dos doentes entrar para ajudar os profissionais de saúde (sim que o objetivo do acompanhante é ajudar não é fazer o lugar), então não deveriam as instituições garantir a segurança, o bom tratamento e o cuidado dos doentes, não os deixando abandonados assim como abandonaram a minha mãe? Sim deveriam e é isso que nós familiares/acompanhantes confiamos quando deixamos lá os nossos doentes.
Infelizmente não foi o que aconteceu, e esta situação levou-me a não confiar nas instituições, no caso no Hospital de Santa Maria, hospital que há cerca de trinta anos tão bem tratou o meu pai, internado lá por vários e vários meses, outros tempos outros profissionais, onde a parte financeira era tão pouca, mas à qual se sobrepunha a saúde do ser humano. Quando a minha mãe necessitar de tratamento médico ou me deixam ficar com ela ou terei de a levar a outro lugar.
Data de ocorrência: 18 de maio 2020
Houve Negligência no tratamento da sua Mãe. Isso é inequívoco.
A desculpa que se digna dar aos profissionais envolvidos só lhe fica bem, a si, pela manifestação de Tolerância, mas não pode explicar o abandono a que a sua Mãe foi deixada, conforme o seu relato.
Mesmo quando não se dá o máximo, não se podem aceitar atitudes de desprezo porque revelam o pior do SNS.
Esperamos e exigimos mais, muito mais, do SNS.
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